A gente se acostuma tanto com filmes e novelas que a vida real as vezes torna tudo tão miserável... Eu entrei no consultório idealizando um divã pra sentar com as pernas esticadas e tagarelar sobre a vida, mas o que tinha lá me esperando era uma cadeira em frente à uma mesa com um Doutor jovem e sorridente (nada de ar misterioso, nada!).
Aí vem a pergunta que todos os Doutores fazem:
- O que te trouxe aqui?
- Tudo começou quando eu tinha 15 anos... Não, na verdade começou bem antes, lá nos anos 90 quando eu nasci. Criaram uma bolha entre eu e o mundo, sabe? Era tudo perfeito, mas vez ou outra eu tinha que visitar o mundo real, tipo ir pra escola e coisas do tipo... Nossa quanto bullying eu sofri pelo meu peso, pela cara amarrada, me faltava carisma, sabe? Mas tudo bem, porque no final do dia eu voltava pra bolha e tudo era perfeito de novo. Então começaram os envolvimentos com pessoas que não eram da família, existe uma pressão para se ter amigos e não era fácil pra mim, desde sempre me relacionar com pessoas era exaustivo, eu amava muito ou não amava nada, sabe?
Começam as cruzadas de pernas, não as dele, seus braços estão bem abertos sobre a mesa, ele parece interessado mas eu duvido que esteja. A gente até vai pra essas consultas pra sermos julgadas, mas no fundo não é bem isso que queremos... - Enfim, amigas interesseiras, a pior raça... Chorei horrores, mas voltei pra bolha e as coisas até que ficaram bem... Mas falando nisso, acho que foi a primeira vez que eu idolatrei muito alguém fora da família, depois aconteceu de novo... Não nasci pra ser líder, nasci pra ser sombra, acho que sempre soube. Daí pra frente foi só ladeira, porque as vezes não adiantava voltar pra bolha, o tempo vai passando e a gente passa a valorizar mais a opinião de quem tá fora dela, sabe? Eu sofri muito mais bullying, além disso minha irmã era muito mais carismática, bonita, legal, sensacional, eu era tudo isso também só que eu não via... Como eu fui triste na adolescência... Eu não comia, chorava muito, achei que amei e que tinha amigos, não gostava da bolha, nem de mim, só gostava de quem eu não conhecia e nem tinha motivos pra gostar... Eu finalmente emagreci! Mas continuei triste, o problema não era o peso, era o carisma? Era eu? Começou o TDA nessa época, nos meus 15 anos... Eu não ouvia meus batimentos, dava falta de ar, não conseguia dormir, chorava que não queria morrer mas quando chegava no hospital tava tudo bem...
As sobrancelhas dele se mechem quando eu falo de TDA, pq transtorno de ansiedade é um diagnóstico muito comum, mas eu não sabia o que era aos 15 anos, meu diagnóstico era Fresno, choro e sofrimento.
- Minha mãe falava que meu problema era falta de surra, ela não via que emagrecer quase 20 quilos tão rápido, ficar cheia de olheiras, ter insônia e falta de ar nas madrugadas era incomum... Era coisa de adolescente né? Querer ficar enrolada num cobertor o dia inteiro? Bom, tomei calmante natural naquela época, mas não adiantava muito... aprendi a controlar as crises, quando acontecia eu pensava “Calma, respira fundo! Vamo lá, inspira e expira... Se você tiver morrendo, tudo bem, as vezes é melhor lá”.
Silêncio.
- Você já tentou alguma vez? Tirar a sua vida?
- Ahhh... tentei não respirar por um tempo, mas fiquei tonta e meio que desmaiei e já me cortei também...
- Você ainda pensa nisso?
- Já pensei, em vários momentos, se eu não me concentrar muito as vezes eu penso... A gente sempre associa a morte ao “mais fácil”, quando a vida tá punk, quando fica difícil acordar de manhã a gente pensa “Desistir não seria mais fácil?”, essa luta não é mais diária, só que as vezes ainda existe. Sempre associei o TDA aos meus 15 anos, pra mim foi onde tudo começou, mas é consequência de antes né?
Eu olho pra ele, mas ele não diz nada.
- Tenho vivido com ele desde então... Tenho vivido com medo de tudo... Uma dor no estômago não pode ser só uma indigestão, ela é câncer, só pode... Me pergunto se existe algo errado comigo o tempo inteiro, fico sem dormir com medo de acordar cega no dia seguinte, acordo de madrugada achando que to infartando, fico com insônia sempre que não tenho um dia de muito trabalho, tenho que deitar muito cansada se não eu não durmo... Não me permito situações de risco, nunca! Antes de pensar na situação já estou tendo crise de pânico.
Sai de lá com duas fichas na mão, parece que preciso de medicação.