Aquele definitivamente não era um lugar bonito, a rua de areia e a quantidade excessiva de árvores podiam provar isso. Sil olhou para mim e revirou os olhos, foi então que percebi que estava fazendo meu biquinho de insatisfação.
- Foi sem querer, ok? Não é sua culpa que essa mulher se esconda nesse fim de mundo. Já chegou luz aqui? - perguntei incrédula.
- Ha-ha-ha. Pare de gracinha e ande mais rápido, estamos quase chegando. - Disse Sil revirando os olhos novamente, ela tinha essa mania irritante.
A trancos e barrancos chegamos a uma casa de muro branco descascado e portão baixo, não precisamos chamar pois já havia uma mulher rabugenta na faixa dos 40 sentada em uma varanda minúscula e desajeitada.
- Olá Antonia, viemos conversar com a Dona Mariá. - Disse Sil sublinhando a palavra "conversar". Dona Mariá é uma cartomante e Sil já ha visitou centenas de vezes, é estranho uma cartomante se chamar Mariá né?
Antonia a rabugenta abriu o portão e nos encaminhou para as velhas poltronas na varanda.
- Vou ver se ela já está pronta. - Disse ela ao entrar pela porta velha destrancada ao lado da varanda.
Sil e eu não dissemos nada, Antonia não nos deu tempo para responder, fiquei vasculhando o quintal repleto de árvores, gramas e vasos de flores velhos e quebrados, percebi que estava nervosa quando minhas mãos grudaram uma na outra. Não demorou muito e Antonia apareceu na porta próxima a varanda e pediu que entrássemos.
Em estantes estávamos sentadas em cadeiras duras numa sala branca, sem enfeites, sem armários e sem graça. A nossa frente havia uma mesa retangular coberta por uma toalha branca e uma cadeira velha, ouvi passos lentos e logo uma senhora magrela e enrugada apareceu, ela vestia uma blusa branca sem estampa e uma saia azul clara, seus cabelos eram curtos e grisalhos. Senti um calafrio percorrer meu corpo ao vê-la, pela primeira vez desde que convenci Sil a me trazer senti medo, o futuro era um enigma para mim e eu queria desvenda-lo a todo custo, mas naquele instante isso não me pareceu o certo a se fazer.
Dona Mariá sentou-se na cadeira a nossa frente com um velho baralho em suas mãos enrugadas, era um baralho normal sem desenhos sobrenaturais ou tamanho especial.
- Olá Sil, não nos vemos há um tempo. Está tudo bem? - Ela perguntou sorrindo para Sil. Percebi que seus dentes eram amarelos e manchados, ela possuía um olho cego mas não era assustadora, parecia que emanava uma calmaria para nós.
- Ah sabe, eu não senti necessidade de voltar desde a última vez... Mas essa é minha amiga Julie e ela estava muito curiosa para te conhecer. - Disse isso meio que aprontando para mim com os olhos, eu abri um sorriso sem graça quando Dona Mariá trouxe seu olhar em minha direção, ela me olhou tão profundamente que me senti nua. Talvez, eu realmente tivesse nua aos seus olhos.
- Você é uma garota muito curiosa. - Ela não perguntou, ela afirmou e começou a embaralhar seu baralho velho. Instantes depois pediu que eu o dividisse e colocou uma carta ao lado da outra formando cinco linhas com quatro cartas cada. Todas as cartas estavam viradas para cima e Dona Mariá as observava como se houvesse mais do que naipes e números nelas, era como se cada uma possuísse um vídeo sobre a minha vida e ela foi nos contando o que via nas cartas.
Ficamos naquela sala por cerca de 40 minutos e ouvi tanto coisas boas quanto coisas ruins, era como se ela tivesse dividido minha vida em vários capítulos e agora eu tenho que descobrir a ordem deles.
Naquele momento não sabia se me sentia feliz ou triste, mais uma vez eu não estava sentindo nada, mas eu sabia que acreditava em cada palavra que aquela cartomante havia me dito.